sexta-feira, 6 de maio de 2016

Humanos e animais: a questão da diferença antropológica

No meio da diversidade, da profusão e até da confusão que imperam nas tomadas de posição contra as tauromaquias, começam a aparecer as grandes linhas da filosofia subjacente. Estas convergem para uma questão central: a do lugar do humano no conjunto dos fenómenos naturais (o "lugar do Homem na Natureza") e não só, note-se, da natureza "viva". O que é que distingue o Humano da Natureza não humana, nomeadamente no mundo do Vivo? Por seu turno, esta questão torna-se mais precisa no que concerne à relação dos humanos com os animais (subentendido - não-humanos). Onde passa a fronteira, e qual o seu significado? O filósofo Frank Tinland escreveu sobre esse problema, há décadas atrás, um belo livro sobre a "diferença antropológica", confrontando o corpo humano e o corpo animal, e por outro lado a "natureza" com o "artifício" (Paris, Aubier, 1977).
As posições, mais ou menos reflectidas e elaboradas, distribuem-se em dois pólos: Um pólo digamos "humanista" que sublinha a diferença entre Humanos e animais não humanos enquanto diferença radical, e um pólo "animalista" que nega essa diferença (ou a considera como simples questão secundária, de grau). A primeira prolonga uma tradição que radica nos paganismos e nos monoteísmos judaico-cristãos e islâmicos que os foram substituindo. Esta posição recebeu um reforço recente (e não intencional), da Ecologia, com a criação do conceito de "Antropoceno", uma era "geo-ecológica" que considera as alterações que a era Humana introduziu no planeta como tão decisivas quanto as transições por exemplo da Era do Terciário para o Quaternário.
A segunda, que podemos designar por "animalismo" faz do Homem um animal como os outros, e tenta impor um apagamento das diferenças de tratamento (moral, social, jurídico) entre humanos e animais. Não se trata apenas de repensar o estatuto do animal (repensar o "Animal"), mas sim de repensar o estatuto do Humano. Assim, um partido que adoptou, ironicamente, o nome dum deus pagão que é o deus do excesso, do êxtase sagrado, dos rituais gregos e romanos em que animais eram mortos à mão, despedaçados (sparagmos) e comidos vivos (omofagia), como era o caso nos rituais das festas gregas em honra de Diónisos, e na bacanais romanas (rituais em honra de Baco-Diónisos), vai ao ponto de propor que a noção de "pessoa" seja estendida aos animais. 
Escrevem:
"No entanto, tem sido recorrentemente negado aos animais uma construção idêntica [à das pessoas morais] que lhes assegure mais direitos, como acontece com menores e outras/os interditas/os. Apesar do seu nível de consciência ser igual ao dos seres humanos, actualmente os animais não têm o direito de serem considerados como pessoa."
O fundamentalismo destas afirmações pode passar despercebido, sob o efeito de moda, mas o que aqui se pretende é que:
1) Os animais deveriam ter os mesmos direitos que os humanos que são " menores e outras/os interditas/os":  ou seja os mesmos direitos para os animais e para as crianças, por exemplo; e
2) O " nível de consciência" dos animais é "igual ao dos seres humanos". Sem dúvida o mesmo nível de consciência moral, cívico, político, humanitário?
As aberrações a que as teses animalistas chegam não são puros acidentes, ou frutos de alguma distracção, mas sim as consequências lógicas duma lógica louca.
José R. dos Santos. Évora, 6 de Maio 2016

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